23 de Agosto de 2025 às 16:49

Revisão do sistema financeiro nacional precisa ser feita com urgência

Conferência Nacional

A necessidade de repensar o modelo do Sistema Financeiro Nacional (SFN) foi o foco do debate da mesa "Por um sistema financeiro a serviço do desenvolvimento", apresentada pelo doutor em economia pela Unicamp e técnico do Dieese, Gustavo Cavarzan, e pelo doutor em Política Internacional e professor da FespSP, Moisés Marques.

"Por traz de uma meta de inflação que hoje é praticamente inalcançável para um país como o nosso; de uma taxa básica de juros (Selic) que coloca o Brasil como líder de ranking mundial com a maior taxa de juros reais; e do alto nível de endividamento das famílias brasileiras com os bancos, está o modelo de regulação atual do Sistema Financeiro Nacional (SFN), que precisa ser revisado. E, essa revisão, inclui debates sobre a forma como entidades que fazem parte do SFN, notadamente o Conselho Monetário Nacional (CMN) e o Banco Central, vem atuando", destacou Cavarzan.

O CMN é, no país, o órgão responsável por definir a meta de inflação. O Banco Central, por sua vez, é responsável por conduzir a política monetária para o cumprimento da meta de inflação determinada pelo CMN. "Há duas décadas, a meta de inflação vem sendo reduzida, de modo a entrar em patamar praticamente inatingível. Em 1999, era de 8%. Hoje, 2025, está em 3%, com intervalo de 1,5%, ou seja, pode chegar a 4,5%. Mas se observarmos os últimos 27 anos de regime de metas, em apenas seis anos o IPCA (principal índice que mede inflação no país) foi menor que 4,5%. E, em apenas uma ocasião, foi menor que 3%", completou o economista. 

Ele destacou também que a inflação média do atual governo Lula está entre as menores desde 1999. "Então, essa meta imposta hoje pelo CMN, de 3%, cria a impressão de inflação descontrolada, e dá argumentos para que o Banco Central siga aumentando a Selic", arrematou. 

Atualmente, a Selic está em 15%, o patamar mais elevado dos últimos 19 anos (desde julho de 2006). E os impactos da taxa de juros elevadíssima afetam negativamente o desenvolvimento econômico, porque, além de colaborarem para aumentar o endividamento da população, desestimulam o investimento das empresas e aumentam os gastos do governo com o pagamento de juros da dívida pública. “Nos últimos 12 meses, os juros nominais pagos pela União aos detentores de dívidas públicas alcançaram R$ 912 bilhões, o mesmo que 7,45% do PIB”, pontuou o economista do Dieese. 

A Selic elevada beneficia somente um grupo muito restrito e que é responsável por influenciar a política monetária do Banco Central. E isso fica claro a partir de uma análise do CORECON (Conselho Regional de Economia) de São Paulo, em um artigo que Cavarzan trouxe para o debate. “O FOCUS (boletim do Banco Central, feito com base em análises 100% do mercado) "carrega o viés de interesse dos respondentes, que objetivam maximizar seus retornos, como por meio de aplicações com taxa de juros altas e baixo risco". Atualmente, os bancos detêm, diretamente, mais de 30% da dívida pública brasileira (remuneradas com base na Selic) e, os fundos de investimentos, outros 22%.

Porta giratória

A relação de promiscuidade entre o mercado e entidades que compõe o SFN fica ainda mais evidente ao observar a relação de ex-diretores e ex-presidentes do Banco Central com o mercado financeiro. Muitos deles foram atuar em empresas do setor privado, que antes eram reguladas pelo Banco Central. Esse mecanismo, de conflito de interesse, é conhecido como "porta giratória".

O caso que mais chama a atenção é o de Campos Neto, contratado pelo Nubank seis meses após deixar a presidência do BC. “Comissão de Ética Pública (CEP), órgão ligado ao Governo Federal, instaurou um processo interno para avaliar se a atuação dele, após deixar o cargo no BC, poderia gerar algum tipo de conflito com suas decisões enquanto esteve à frente do Banco Central, especialmente em relação a possíveis decisões que beneficiaram o Nubank”, acrescentou Moisés Marques. 

Fintechs

Cavarzan, por sua vez, ressaltou que o aumento expressivo de fintechs (instituições financeiras de base tecnológica que hoje atuam como bancos no país, mas não respondem legalmente como os bancos na questão dos direitos fiscais e trabalhistas) tem relação direta com a regulação deficiente do SFN, que beneficia esse modelo de negócios. "A Nu Brasil Tecnologia Ltda, empresa com 20% da força de trabalho do Nubank, obteve R$ 94 milhões de benefícios tributários entre janeiro de 2024 e fevereiro de 2025", frisou o economista, com base em dados do Ministério da Fazenda.

Entre mais de 31 mil empresas que receberam os benefícios tributários, no período, a Nu Brasil Tecnologia Ltda foi a 19ª com maiores valores de benefício fiscal de desoneração da folha de pagamento.

Mais adiante, o professor Moisés Marques observou que a escalada de fintechs está trazendo para o sistema financeiro maior risco de segurança. "O crime organizado encontrou facilidade em lavar dinheiro, por meio dessas instituições de pagamento, por causa de brechas na regulação. As fraudes no setor bancário aumentaram 21,5% em 2025, em relação ao ano anterior. E, em seis anos, as fintechs movimentaram R$ 28 bilhões de facções criminosas, como PCC e Comando Vermelho", disse.

Questão de soberania

Moisés Marques também destacou que o debate sobre regulação do STF transborda para a questão da soberania nacional e necessidade de regulação das big techs e da inteligência artificial (IA). "Após o anúncio da imposição da Lei Magnistsky, pelo presidente dos EUA, Donald Trump, ao ministro Alexandre de Moraes, os bancos brasileiros perderam quase R$ 42 bilhões em valor de mercado. Então, o que é a soberania nacional, neste momento, com a questão da Lei Magnistsky? Vale uma regra do Tesouro americano no Brasil? Valor de mercado e eventuais congelamentos de recursos devem ser parâmetros? São questões que temos que lidar hoje", completou.

Nesse sentido, o professor acredita que é preciso que os movimentos sociais, como o sindical bancário, atuem ativamente no debate para um sistema financeiro que apoie o desenvolvimento do país. "Tomando emprestado o que o Senador Cid Gomes disse, ao propor o Projeto de Lei 144/2025, no debate sobre a reforma do SFN, o que está em jogo não é apenas o futuro do Banco Central, mas a integridade da democracia econômica brasileira. A autonomia do Banco Central precisa ser a autonomia da República e não das finanças", pontuou.

Sugestões de regulação

O economista Gustavo Carvarzan terminou sua fala, na mesa, apresentando as seguintes medidas para um SFN à serviço da sociedade brasileira:

- Ampliação do CMN.

Atualmente a entidade é formada somente pelo Ministro da Fazenda (presidente do Conselho); Ministro do Planejamento e Orçamento; e presidente do BC. Mas, em décadas anteriores, já teve outro formato, com mais membros e que representavam outras áreas da sociedade.

- Fim do descasamento de mandatos entre o presidente da República e direção do Banco Central.

Hoje, o mandato do presidente do BC, com duração de quatro anos, tem início em 1º de janeiro do terceiro mandato do presidente da República. Os diretores, por sua vez, também com mandatos de quatro anos, são indicados de dois em dois a cada ano do mandato do Executivo. Esse modelo tende a prejudicar a política econômica que o presidente em exercício quer implementar ao país. 

  • Regulação das fintechs: adequação de nomenclatura, CNAES, adequação trabalhista, sindical, tributária, prudencial, regulatória.
  • Revisão, pelo CMN, da meta de inflação para algo em torno de 4%, com intervalo de tolerância de 2 pontos percentuais.
  • Elevação do tempo de quarentena dos membros da direção do Banco Central – os atuais seis meses são insuficientes para evitar conflito de interesses.
  • Criação de mecanismos que garantam que o BC cumpra também a sua função de fomentar o pleno emprego.
  • Criação de mecanismos que evitem a aplicação de juros abusivos, especialmente em linhas como a do crédito do trabalhador. 

Por: Contraf

 


 

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